Śrī Rādhāṣṭamī – O advento da Esplendorosa
- Yuri Wolf
- 6 de set. de 2019
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Śrī Rādhārāṇī, Rādhikā ou simplesmente Rādhā, é a contraparte feminina de Śrī Kṛṣṇa, o oitavo avatāra (encarnação divina) de Śrī Viṣṇu.

Conforme mencionado em outra postagem, dentre as muitas interpretações de toda a cosmologia hindu, uma das mais famosas nomeia três Deidades como principais:
• Śiva: “auspicioso”, em sânscrito. Conhecido como a fonte do Yoga. O grande meditador, senhor da consciência e da transformação. • Viṣṇu: “aquele que tudo permeia”, a personificação do amor universal, fonte do processo devocional (bhakti); • Śakti: “potência”, a face feminina transcendental do todo. A energia, a força, a manifestação do amor e da consciência universais.
Dentro da tradição vaiṣṇava, a linha espiritual do hinduísmo que considera o Senhor Viṣṇu como a Deidade central, relação entre Śrī Rādhā e seu consorte celestial Śrī Kṛṣṇa representa a combinação suprema dos aspectos feminino e masculino de Deus.
Nesta, Śrī Kṛṣṇa é a própria personalidade de Deus, e Śrī Rādhā, uma das encarnações de Śrī Lakṣmī, sua śakti: a potência do êxtase do Amor Divino, que conecta criador e criatura. As duas manifestações, masculina e feminina, unidas, representam o Divino em sua totalidade.
Conforme consta no Śrī Caitanya Caritāmṛta (Adi Līlā 4.96, 97 e 98), uma das escrituras mais sagradas da Gauḍīya sampradāya, corrente filosófica vaiṣṇava que deu origem ao famoso movimento Harekṛṣṇa:
rādhā – pūrṇa-śakti, kṛṣṇa – pūrṇa-śaktimān dui vastu bheda nāi śāstra-paramāṇa. (96)
mṛgamada tāra gandha – yaiche aviccheda agni jvālāte – yaiche kabhu nāhi bheda. (97)
rādhā-kṛṣṇa aiche sadā eka-i svarūpa līlā-rasa āsvādite dhare dui-rūpa. (98)
“Śrī Rādhā é a plena potência, Śrī Kṛṣṇa é o detentor deste pleno poder. Ambos não são diferentes, como evidenciado pelas escrituras reveladas. (96)
Eles são, de fato, a mesma coisa, assim como almíscar e seu perfume são inseparáveis, ou como o fogo e seu poder de queimar são indiferentes. (97)
Assim, Śrī Rādhākṛṣṇa são um, ainda que tenham assumido duas formas para desfrutar das doçuras dos passatempos. (98)”
Esta definição que aborda a natureza do Absoluto com base na relação mística entre a Consciência e o seu Poder é bastante comum dentro do pensamento hindu. Todavia, cada tradição ou corrente filosófica altera as Deidades que regem este processo de acordo com suas crenças, como Śrī Śiva e Śrī Pārvatī no panteão śivaíta, ou então Śrī Viṣṇu e Śrī Lakṣmī e Śrī Rāma e Śrī Sītā, sob outras óticas vaiṣṇavas, dentre outros casais celestiais.

Na etimologia sânscrita, rādhā significa “beleza”, “esplendor”, e também está relacionada com o termo “bondade”. Portanto, o termo pode ser livremente traduzido como “Esplendorosa”. Naturalmente, reflete a doçura da personalidade da Rainha de Vṛndāvana.
É sempre retratada como uma jovem muito bela, que ocupava-se na ordenha das vacas. Senhora da bondade e do amor devocional, é o elemento mais transcendental na adoração ao Senhor Kṛṣṇa, sendo conhecida por ser “Aquela que controla o Controlador”, pois é aquela que atrai justamente aquele que atrai a todos.
Junto à Śrī Kṛṣṇa , a Senhora Rādhā desenvolveu uma relação de profundo amor baseada em uma incessante busca mútua, visto que as nuances da vida insistiam em pô-los distantes um do outro.
As līlās (passatempos divinos) vivenciadas por Śrī Rādhākṛṣṇa se deram na cidade de Vṛndāvana, centro-norte da Índia. Obras como Brahmavaivarta Purāṇa e Devībhāgavataṃ Purāṇa narram alguns episódios, mas é no poema Gītā Govinda – composto por Jayadeva Gosvāmī – que a plenitude deste amor transcendental é exposta em sua forma mais profunda.
O auge de toda a relação acontece na Rāsalīlā, também conhecida como “a Dança do Amor Divino”, tido como um dos passatempos mais emblemáticos de Śrī Kṛṣṇa. Neste, as gopīs (vaqueiras, das quais Śrī Rādhā parte – e que, na verdade, são emanações da mesma) são atraídas à floresta, para longe de seus familiares e obrigações, ao serem encantadas pela música celestial que emana da flauta do Todo-Atraente.
Por meio de uma sublime profundidade estética, o encontro é descrito com riqueza de sutis detalhes, que narram o encontro de Śrī Rādhā e suas emanações (todas as demais gopīs) em uma dança mística carregada de significados. Nela, Śrī Bhagavan multiplica-se através de sua Yogamāyā – a potência interna em forma de misericórdia, que permite a conexão com o Supremo através do êxtase transcendental do amor de Deus – para unir-se com cada uma das vaqueiras, que são a própria emanação de seu poder criativo (śakti; Śrī Rādhā). Śrī Kṛṣṇa também usa seus poderes para estender a duração desta noite a uma Noite de Brahmā (Senhor da Criação), cerca de 4,32 bilhões de anos terrestres.

Assim, este passatempo representa a união da consciência e da potência criativa de Deus, o masculino e o feminino, respectivamente. Revela, pois, a natureza transcendental do Absoluto, estabelecida além do tempo e espaço que, por sua vez, emanam dele e de seu poder infinito.
Tão poderosa é esta līlā que o Bhāgavata Purāṇa estabelece que todos aqueles que ouvirem ou descreverem-na com verdadeira fé, alcançam o puro amor devocional de Śrī Kṛṣṇa. De tão importante, ela não é apresentada publicamente dentro das tradições vaiṣṇavas. Seus profundos detalhes só são revelados para aqueles que já estão em um nível bastante avançado.
Alguns mantras da altíssima Esplendorosa:
श्रीराधा
śrī rādhā
१. गायत्री
1. gāyatrī - métrica composta em 3 versos de 8 sílabas cada, usualmente utilizadas na invocação das Deidades
ॐ वृषभानुजायै विद्महे
कृष्णप्रियायै धीमहि ।
तन्नो राधा प्रचोदयात् ॥
oṃ vṛṣa-bhānujāyai vidmahe
kṛṣṇa-priyāyai dhīmahi ।
tanno rādhā pracodayāt ॥
Contemplamos Aquela que é filha de Vṛṣabhānu,
Meditamos na favorita de Kṛṣṇa.
Reverenciamo-nos à Esplendorosa, para que nos ilumine com sabedoria.
२. बीजमन्त्र
2. bījamantra – mantra que possui o bīja (som seminal) da Deidade
ॐ श्रीं राधायै स्वाहा
oṃ śrīṃ rādhāyai svāhā
Que bênçãos sejam concedidas pela Esplendorosa.
- o bīja śrīṃ denota a energia da abudância e da prosperidade em todas as plataformas. É o som seminal de Śrī Lakṣmī
३. राधे जय जय माधवदयिते
3. rādhe jaya jaya mādhava-dayite (composto por Rūpa Gosvāmī
राधे जय जय माधवदयिते ।
गोकुलतरुणीमण्डलमहिते ॥
rādhe jaya jaya mādhava-dayite ।
gokula-taruṇī-maṇḍala-mahite ॥
“Ó Rādhā! A amada de Madhava (Śrī Kṛṣṇa, como o matador do demômio Madhu)! Tu que és adorada por todas as jovens garotas de Gokula! Todas as glórias a ti! Todas as glórias!”
दामोदररति वर्धनवेशे ।
हरिनिष्कुटवृन्दाविपिनेशे ॥
dāmodara-rati-vardhana-veśe ।
hari-niṣkuṭa-vṛndā-vipineśe ॥
“Tu que te vestes de tal maneira a aumentar o amor e o apego do Senhor Dāmodara (Śrī Kṛṣṇa, como o garoto travesso misericordioso) por ti! Ó rainha de Vṛndāvana, que é o bosque de prazeres do Senhor Hari (Śrī Kṛṣṇa, como aquele que perdoa todos os atos pecaminosos)!”
वृषभानूदधिनवशशिलेखे ।
ललिता-सखि गुण-रमित-विशाखे ॥
vṛṣabhānūdadhi-nava-śaśi-lekhe ।
lalitā-sakhi guṇa-ramita-viśākhe ॥
“Ó lua nova que surgiu do oceano do rei Vṛṣabhanu! Ó amigo de Lalitā (uma das 8 principais gopīs)! Tu que fazes Viśakha (outra das 8 principais gopīs) fiel a ti devido às tuas maravilhosas qualidades de amizade, bondade e fidelidade a Śrī Kṛṣṇa!”
करुणांकुरुमयि करुणाभरिते ।
सनकसनातनवर्णितचरिते ॥
karuṇāṃ kuru mayi karuṇā-bharite ।
sanaka-sanātana-varṇita-carite॥
“Ó tu, que és plena em compaixão! Ó tu, cujas características divinas são descritas pelos grandes sábios Sanaka e Sanātana (dois famosos sábios)! Ó, Rādhā, por favor seja misericordiosa comigo!”
Minhas mais humildes, sinceras e profundas reverências à Senhora do Amor e da Beleza, Rainha de Vṛndāvana, Aquela que controla o Controlador.
Rādhe! Rādhe!
Yuri D. Wolf
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